Mudança dos tempos
Há apenas algumas décadas atrás uma pessoa, durante toda a sua vida, posava apenas para meia dúzia de fotos, adquiria umas poucas dezenas de revistas, assistia uns tantos filmes e via umas poucas obras de arte. Raramente se tinha uma pintura em casa. Revistas eram guardadas e fotos de família ficavam na parede.
Hoje, ao contrário, há pessoas que vêem dúzias de imagens por hora. As revistas e jornais, coloridos e cheios de fotos, vão até no mesmo dia para o lixo. Na internet há uma enxurrada de fotos e vídeos, que são vistos por milhares de pessoas por hora. DVDs piratas, downloads, cópias e diversos sites permitem que qualquer pessoa veja filmes diariamente, “toneladas” de fotos, enfim, “troçentos” megabytes de imagens por dia.
Culto
Então vêem os lugares comuns; A imagem está mais democrática! Todos têm acesso á tudo! A sociedade da informação! Etc...
Podemos realmente pensar que o acesso ás informações em geral se tornou mais simples e rápido. Não é preciso esperar uma exposição ou ir á uma biblioteca ou museu para se conhecer a obra de um fotógrafo ou pintor. Também não é preciso esperar meses ou anos para ver as fotos do casamento daquela sua prima que mora em Afogados da Ingazeira.
As câmeras digitais, filmadoras e scanners, cada vez mais baratos e melhores, também contribuem para o aumento na quantidade de imagens disponíveis, e até com a sua qualidade.
Isso parece um culto á imagem. Vivemos então a época de maior valorização da imagem?
Esquecimento
A resposta da questão formulada acima parece ser que sim, mas não é tão simples. Na verdade também percebemos um desvalorização da imagem, que se tornou algo descartável, facilmente esquecível e superficial.
Imagem se olhava em contemplação, durante minutos ou horas. No outro dia se olhava novamente.
Hoje vale mais o conjunto que cada imagem. Um bom fotógrafo é o que faz muitas boas fotos seguidas.
Para chamar a atenção é preciso criar um trabalho muito bom. Para se destacar é preciso ter qualidade técnica e artística ao mesmo tempo, e ainda caprichar no acabamento, na apresentação e na divulgação.
rapidamente e sem nenhuma atenção.
As imagens cada vez mais presentes, mas também cada vez menos vistas. Antes víamos muito poucas imagens. Hoje vemos pouco muitas imagens.
Saudosismo?
Pessoal, o cão ladra e a caravana não para. O tempo passa e não volta mesmo, não há jeito. Por mais que alguns sintam saudades dos velhos tempos, quando um fotógrafo era um especialista, fazendo algo que poucos conseguiam, com equipamentos caros e complexos, de difícil operação, esses tempos não voltam. Eu nem quero que voltem mesmo. Apesar de gostar do valor que a imagem tinha antes, não abriria mão dos sistemas digitais e da possibilidade de mostrar meu trabalho ao mundo na internet.
O que faremos?
Não amigos, eu não proponho soluções.
Na verdade não há o que solucionar, as coisas mudaram e pronto. Não espere mais que alguém horas olhando fixamente uma mesma pintura, foto ou imagem. Em cinco segundo ele clica para a próxima. Bom, quer dizer, alguns ainda fazem isso, mas cada vez menos. Eu mesmo, certa vez, diante do quadro O Grito, de Munch, devo ter ficado uma meia hora. No MASP não fico menos que uns 10 minutos observando cada obra.Mas esse olhar detalhista é cada vez mais raro.
O que faremos então? Nós que produzimos imagens nos adaptaremos e faremos o melhor possível. Nós que vemos imagens também podemos tentar observá-las com mais cuidado.
Não se esqueça que a visão é um de nossos principais sentidos, senão o principal. Temos que ter cuidado para não sobrecarregá-la. E devemos fazer um bom uso dela. Quem observa melhor o mundo ao seu redor perde menos oportunidades.
Yuri Bittar
Designer, fotógrafo e historiador
Atualmente ministra o curso A fotografia e a Cultura Visual
Site pessoal: www.yuribittar.com
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